1/29/2009

Na terra do petróleo

Já estou em Caracas há quase três semanas e ainda nao expliquei direito as razoes por trás dessa viagem. Entao vamos lá: somos um grupo de 20 e poucos estudantes da FAFICH participando de um projeto de extensao da faculdade organizado por um professor da Psicologia. O objetivo do projeto, inicialmente, era entender as mudanças realizadas por Chávez desde 98 (a famigerada Revoluçao Bolivariana) e seu esforço em apoiar o cooperativismo e a economia solidária - um dos temas centrais do grupo de estudos que mantivemos durante o último semestre em Belo Horizonte.

Para isso, o tal professor organizou uma parceria com um instituto de Ioga, onde estamos hospedados. A rotina é sinistra: ioga e meditaçao duas vezes ao dia, alimentaçao sem carne, alho e cebola e proibiçao irrestrita de álcool, drogas e contatos sexuais (!) dentro da casa. Isso sem contar as aulas, palestras, reunioes e pesquisas que temos que realizar, o que muitas vezes ocupa a agenda de 6 da manha até 9 e meia da noite. Tenso, mas o clima elevaçao-da-consciência e vamos-mudar-o-mundo que existe na casa é legal demais, e até compensa o esforço.

A casa do instituto, aliás, é lindíssima, enorme e muito bem localizada, num bairro de classe média-alta na zona leste de Caracas. O lugar é quase um albergue espanhol da yoga: o diretor é um monge americano, o outro monge é indiano, e os ajudantes sao um ex-monge holandês, um aprendiz guianense, um canadense e uma venezuelana. Isso sem contar os outros monges que sempre vêm e vao (já apareceu gente da Malásia, Filipinas, Alemanha e por aí vai) e o bando de brasileiros do qual faço parte.

Pouco a pouco, após minha chegada (um pouco atrasada em relaçao ao resto do grupo, que veio antes do reveillon), a direçao das pesquisas foram mudando e, ao invés de estudarmos apenas cooperativismos, foram criados grupos de estudos em cinco diferentes áreas relacionados com a Venezuela pós-Chavez. Ingressei no grupo de mídia, lógico, e estamos pesquisando as relaçoes entre a cobertura jornalística internacional e o jornalismo venezuelano - completamente ideológico e dividido, entre jornais chavistas e oposicionistas. Chévere, diriam os locais.

Nos próximos posts, pretendo escrever um pouco sobre minhas impressoes acerca do país, do presidente Chávez, dos lugares que já visitei por aqui e dos planos futuros. Abraços.

Caracas, entre a cidade e o Ávila.

1/21/2009

Le Gran Finale

Saímos de Bonfim na mesma tarde em que decidimos nao adentrar o mar de lama da Guiana. Paramos em Boa Vista apenas pra sacar dinheiro no banco e seguimos viagem através de uma estrada esburacada até Pacaraíma, na divisa com a Venezuela.

Ficamos lá dois dias. Nao que tenha muita coisa de legal a ser visto por lá, ao contrário. Mas é que tivemos alguns probleminhas com a enorme burocracia da alfândega venezuelana e demorou um pouco até conseguirmos por fax todas as fotos, documentos e autógrafos do pai do Guilherme - o dono do carro - que eles queriam.

Mas uma coisa que curti foi o clima de cidade de fronteira de lá, que ainda nao tinha visto em nenhuma outra no Brasil: tinha colombianos, venezuelanos, cerveja Polar em todo boteco e meninos brincando de beisebol na rua. No comércio, a moeda oficial é o bolívar, e aceita-se o real só por obrigaçao. E o mais legal: do lado de lá da fronteira existe o único posto de gasolina em 300km de raio, vendendo o precioso combustível a meros R$0,86 o litro.

Abastecemos um pouco, o suficiente para chegarmos com folga até o próximo posto em território venezuelano. Aí, depois de resolvida toda a burocracia e enchecao de saco, começamos a aproveitar as vantagens de ter entrado de carro na Venezuela. Aqui a gasolina custa, pasmem, Bs.F 0,07 o litro, ou seja, 3,5 centavos de real. É, praticamente 90 vezes mais barata do que chegamos a pagar em Cuiabá (R$2,95 o litro).

E outra grande comodidade de viajar de carro - além do custo zero com combustível - é a mobilidade. E isso é importante num lugar tao exuberante quanto a Gran Sabana, a regiao sul do país que faz fronteira com o Brasil. Lá fica o Parque Nacional Canaima, que cruzamos de baixo pra cima, parando em alguns dos vários mirantes e cachoeiras localizados bem na beira da estrada principal. Decidimos por unanimidade que esse foi de longe o pedaço de estrada mais bonito que já havíamos percorrido.

Aproveitamos a chance pra pendurar a rede numa pequena aldeia indígena que controla o acesso a uma das cachoeiras, bem no começo do parque. No outro dia, dirigimos mais uns 400 quilômetros, cruzamos de balsa o rio Orinoco no pôr do sol em Ciudad Guayana e dormimos a 100km dali, em Maturín.

Havíamos decidido dar uma pequena volta pra aproveitar um pouco o mar. e assim fizemos Ao invés de ir direto pra Caracas, atravessamos uma serra por uma estradinha sinuosa até chegarmos em Cumaná, a primeira cidade ainda existente fundada por Colombo na América continental. E lá fizemos quem sabe a segunda viagem mais bonita até entao, numa estrada pista simples espremida entre a serra e o verde-azul indescritível do Mar do Caribe.

Paramos para nadar num povoadinho que nem sabemos o nome ali perto - pra chegar na praia, tivemos que atravessar o quintal de uma das casinhas a beira-mar onde já decidi de antemao que irei passar a velhice. Paramos também na Playa Colorada, uma praia de areia laranja e vários turistas no meio do Parque Nacional Mochima, no litoral nordeste.

Pra tentar economizar uma noite em hotel, resolvemos esticar e chegar em Caracas na mesma noite. Foi cansativo, mas deu certo. Depois de muitas voltas dentro do bairro El Marques, onde as ruas nao tem nome e as casas nao tem número (sic), conseguimos às 11 da noite chegar na casa do instituto onde estamos hospedados desde entao.

Quando chegamos, lembrei exatamente do momento em que o Guilherme chegou na porta da minha casa no bairro Luxemburgo, em Belo Horizonte. Visualizei a cena e, descendo pela última vez do carro onde morei pelas últimas duas semanas, finalmente caiu a ficha do que havíamos acabado de fazer: 16 dias, 6.500km de aslfato, 900km de água e uma das viagens mais legais da história.

No outro dia, acordei querendo mais.

Gran Sabana, cerrado com tepuis;

E a Playa Colorada - viva o Uninho!

1/14/2009

Resumo - 2

E fomos para Roraima. O caminho foi um dos mais legais que havíamos passado até entao, atravessando floresta fechada, motoristas nao muito acostumados com o conceito de ultrapassagens seguras e coisas do tipo. Demos carona pra um fiscal do posto de fiscalizaçao da polícia até seu sitiozinho e, como recompensa, ganhamos um galao de três litros de água de côco lá do sítio mesmo. É o karma, diriam os Dadas.

Logo depois, ao entardecer, atravessamos a reserva indígena Waimiri-Atroari, na divisa dos estados de Amazonas e Roraima. A floresta, cerrada, chegava a engolir uma das pistas, e as copas das árvores eram tao densas que quase cobriam toda a estrada. Só ali foi cair a ficha que realmente estávamos na floresta amazônica; logo apagamos as luzes do carro, encostamos num canto da estrada, escutamos os barulhos que vinham do mato e vimos o escuro da floresta por baixo do céu estrelado.

Abastecemos no primeiro posto de gasolina depois da reserva, já em Roraima. Ficamos amigo do frentista, um cabloco que adorava contar história de caçada e pescaria do pessoal ali da regiao. Ele nos mostrou um lugar para pendurar rede, um banheiro com chuveiro e resolvemos ficar por lá mesmo. No outro dia saímos cedo para Boa Vista, passeamos pelo centro e pela orla e decidimos ir pra fronteira com a Guiana, que fica a apenas 100 km dali. O plano era passar pelo menos uma manha na cidade guianesa de Lethem para depois decidir se iríamos tentar cruzar o pais todo para chegar à capital, Georgetown, ou se dali iríamos direto pra Venezuela.

E assim fizemos. Chegamos em Bonfim - a cidade fronteiriça - à noite e nas primeiras horas do outro dia já estávamos atravessando de balsa o rio Tacutu, entrando em território guianês. Lá conhecemos de tudo um pouco: uma guianesa ameríndia que já havia morado em Boa Vista, um motorista de caminhao indiano que nos prometeu uma carona gratuita até Georgetown, um paraibano meio traficante comprando tênis quase sem imposto e por aí vai.

A impressao que ficou de Lethem é de um surrealismo sem precedentes, tanto pela diversidade cultural que encontramos lá - negros, indianos e ameríndios falando inglês com um sotaque quase irreconhecível e uma língua criola estranhíssima - quanto pela paisagem urbana enlameada da cidade de Lethem (se é que podemos chamar algumas outlets de tênis da Nike espalhadas por um descampado barrento de "paisagem urbana").

No final das contas e de horas de indecisao, acabamos indo pelo mais careta e recusando a carona do motorista indiano pra Georgetown na manha seguinte. Primeiro porque a idéia de um dia e meio de viagem num caminhao cabine simples com mais três pessoas numa estrada de terra (lama) praticamente intransitável nao parecia tao agradável. Além do mais, a hospitalidade sem igual dos guardas de fronteira deixou claro que eles nao nos queriam no lado de lá. E pra completar, estávamos com pressa para chegar em Caracas - o Guilherme iria ter que voltar mais cedo do estágio, entao cada dia perdido era valioso.

Enfim, chances aparecem pra quem procura, entao ainda espero algum dia voltar praqueles lados e terminar o que já foi começado. (Continua)

Lethem, Guiana (mas sem a emoçao típica da época de chuva).

1/12/2009

Resumo - 1

É, parece que incitei os ânimos do pessoal à toa. Por problemas de tempo e de riscos a nossa integridade física, acabamos decidindo nao nos aventurar pelos 500 km de lama que ligam Lethem a Georgetown e postergamos assim nosso passeio pelas Guianas para um futuro incerto. Mas para aliviar a decepçao, pelo menos passamos um dia do lado de lá da fronteira, tomamos cerveja guianesa e fizemos várias amizades, como irei relatar em breve.

Mas para deixar o blog em dia, tenho que começar com o relato da nossa estadia em Manaus. Chegamos lá na véspera do Reveillon pela manha, que foi quando eu escrevi o penúltimo post aí embaixo (e deixo aqui registrado um protesto às condiçoes das lan houses de Roraima que nao me deixaram nem atualizar o blog e nem corrigir os erros de português dos posts escritos na pressa).

Passamos lá três dias, e em companhia de três meninas que conheci justamente por causa desse mesmo blog - só pra contradizer quem acha que eu perco tempo escrevendo baboseira na internet. E as meninas, Maisa, Gilmara e Ana, foram sensacionais: nos levaram pra comer tapioca, pra passear nas praias do Rio Negro, pro baile de música brega no Municipal e pra nadar com os botos em Novo Airao. E nem o ódio e rancor gratuitos dos porteiros do hotelzinho vao manchar essa boa impressao do povo manauara que as meninas nos deram. Agradeço demais!

Mas talvez o que mais me impressionou em Manaus foram os prédios históricos do ciclo da borracha espalhados ao redor da cidade. Muitos já estao restaurados e funcionam como hotéis, teatros e até como Carrefours, mas a maioria está num estado decadente, com paredes caindo e até plantas crescendo de dentro pra fora mesmo no hipercentro da cidade. E, por mais que isso nao seja usual, achei essa decadência lindíssima.

De Manaus partimos para Roraima, mas a Polícia de Controle de Tamanhos Nao-Agradáveis de Posts me obriga a parar o relato por aqui. A intençao é escrever mais dois ou três posts diariamente para registrar o que passamos até chegar em Caracas, onde estou agora, e o sentido por trás de toda essa viagem. Sendo assim, parte um - cumprida.

Manaus, Teatro Municipal

1/05/2009

Pressa

Um post em dois minutos: estamos fazendo uma coisa muito loucona e desviando um pouco o trajetório para a Guiana e pro Suriname. Assim que der, lá ou de volta ao Brasil, postarei sobre Manaus e sobre esse pequeno desvio. Até lá, podem me chamar de louco porque dessa vez eu acho que mereço :)