2/15/2009

Na terra do ouro

Já estou na Colômbia há aproximadamente uma semana. Demorei pra escrever sobre isso porque estou tentando aproveitar ao máximo o tempo com a viagem e sobra pouco pra atualizar o blog - isso sem contar que já tinha o último post engatilhado e queria muito terminá-lo antes de qualquer coisa.

Pois bem! Já explicado, comecamos do início. Saí de Caracas sábado passado, dia 7. Uma saída um pouco dramática até, com direito a Baba Nam Kevalam, um abraco de cada um, lágrimas compartilhadas e uma correria louca pra chegar até a rodoviária a tempo. No final deu certo, e no outro dia acordei já em Mérida, uma cidade na ponta norte da cordilheira oriental dos Andes e jóia rara no turismo venezuelano - muito concentrado na costa paradisíaca e com poucas outras opcoes ao sul do Caribe.

Bom, a cidade era até bonitinha e o relevo montanhoso chamava a atencao, mas impedido de fazer uma caminhada na regiao (o parque nacional que controla a serra estava fechado por alguma razao obscura) e ansiosíssimo pra chegar na Colômbia, chutei o balde e na mesma tarde já peguei um ônibus pra San Antônio del Táchira, na fronteira.

Na outra manha, passaporte carimbado, cruzei e cheguei em Cúcuta. Cidade grande e movimentada, com uma igreja bonita e só. Meu primeiro ponto de interesse estava há umas três horas dali, na estrada rumo a Bogotá: Pamploma, um das primeiras cidades espanholas construídas na regiao. Aliás, toda a parte colombiana da Cordilheira Oriental andina é salpicada de cidades como Pamplona. Além dos portos do Caribe, foi nessa regiao que se concentrou o povoamento espanhol no comeco da colônia, tanto pelo ouro encontrado pelos conquistadores através dos indígenas quanto pela importância agrícola das férteis terras da cordilheira.

Fiquei uns bons três dias pulando de cidade em cidade como estas, entre Cúcuta e Bogotá, e quanto mais eu percorria mais impressionava com a riqueza histórica dessa regiao colombiana, coisa que nao tinha nunca visto nem imaginado antes. Pamplona é linda, totalmente branca, com uma bela catedral e um antigo mercado conservadíssimo e bem legal. San Gil, capital do estado de Santander, cativou pela surpresa: vários quarteiroes históricos muito bem conservados no centro que o guia quase nao aborda. Sua cidade irma, Barichara, é mais sensacional ainda. Pequeninha, me lembrava muito as cidades históricas mineiras, mas com as casas todas brancas, pátios abertos e largos e uma enormemente exagerada catedral de tijolos marrons.

As outras duas talvez tenham sido as cidades mais bonitas: Tunja e Villa de Leyva, estas a apenas três horas de Bogotá. Tunja é uma cidade grande, um pouco sinistra à noite, mas a praca principal da cidade é de cair o queixo - enorme, movimentada, com vários casaroes antigos e, como toda cidade colonial espanhola que se preze, totalmente pintados de branco. Villa de Leyva é sua cidade satélite mais famosa. Praticamente todo o centro é pura arquitetura colonial muito bem conservada, e o que mais impressiona sao os balcoes e arcos dos edificios ao redor da gigantesca praca central.

Mas além das casinhas, igrejinhas e ruelinhas históricas que eu gosto tanto, o que eu achei mais legal desses primeiros dias de Colômbia foi praticar o nobre esporte do people-watching, ou observacao das pessoas. O tipo colombiano é muito característico, tanto que é até difícil de explicar. Numa tentativa: calca marrom, camisa balao, chale de lã fechado ao redor do tronco, chapéu coco ou panamá e um olhar tao profundo que parece atingir até a alma. A impressao que dá é de estar dentro dum livro do Gabriel Garcia Marquez, e nao foram poucas as vezes que eu podia jurar ter visto na minha frente um exemplar perfeito de Florentino Ariza ou Aureliano Buendía.

Mal sabia eu o que me esperava pela frente.




Villa de Leyva: casas brancas e rua de pedrinha.

2/07/2009

É também seu maior problema

A Venezuela é hoje um país completamente dividido. É impossível ficar em cima do muro: quem nao é chavista é oposiçao, e as raras exceçoes da regra sao na maioria das vezes as vozes mais inteligentes que se escuta nessa terra de luta-de-classe.

Nao digo luta-de-classe à toa. Uma das coisas mais legais de se fazer em terras venezolanas é prestar atençao nas pessoas, em quem se esconde atrás de cada discurso. As duas passeatas sobre o referendo da reeleiçao indefinida foram bastante emblemáticas pra mim: enquanto na do "sim" a maioria absoluta era mestiça, negra, índia e outros tipos latinos, a marcha da oposiçao mais parecia uma passeata anti-imigraçao nos EUA - os únicos nao-caucasianos eram os vendedores de refrigerante, que ainda nao podem se dar ao luxo de declarar folga em plena sexta à tarde.

E mais legal ainda é tentar entender porque essa divisao socio-econômica tao clara acontece. O motivo principal é simples: nestes últimos dez anos, Chávez governou apenas para uma classe social e mais absolutamente nada - a classe baixa.

Um fato: a Venezuela é hoje um país muito menos pobre que era há uma década. Uma olhada rápida em qualquer estatística - populacao abaixo da linha de pobreza, desenvolvimento humano, distribuiçao de renda e analfabetismo, por exemplo - comprova facilmente essa tese.

Isso se deve principalmente a duas coisas. Primeiramente, Chavéz investiu nas áreas certas. A educaçao, por exemplo, nunca teve tanta importânca num governo venezuelano e tanta verba como acontece hoje. Os resultados sao visíveis: escolas públicas com ensino integral e três refeiçoes ao dia, analfabetismo quase zero, universidades abertas (sem processo seletivo), etc. E, ao contrário do que se escuta nos rincoes da oposiçao, isso é muito mais mérito do governo chavista do que da recente alta nos preços do petróleo - basta ver que o investimento aumentou mesmo em comparaçao ao crescimento do PIB.

A segunda e mais importante razao, ao meu ver, sao as mudanças estruturais levadas a cabo tanto por Chavez quanto pelo Congresso (amplamente dominado pelo PSUV). Exemplos: o apoio ao cooperativismo e à economia solidária, a criaçao de empresas socialistas administradas por comunidades, a inclusao social através das universidades bolivarianas e por aí vai. Uma das coisas que mais me impressionou foram os conselhos comunais, uma espécie de associaçao de moradores que se organizam para requerer obras de infra-estrutura do governo. Os próprios conselhos - que têm sua direçao eleita democraticamente pelos moradores da regiao - recebem o dinheiro pra realizar a obra e, além disso, tem poder de enviar projetos de lei às câmaras estaduais ou federais quando trabalham em cooperaçao com outros conselhos comunais de uma determinada localidade.

Mas por mais bonito que pareçam, os avanços sociais nao atingem as classes mais altas. Quando se compara a vida de uma família de classe média com o que era dez anos atrás, por exemplo, percebe-se que pouca coisa mudou. Caracas continua violenta, o governo continua corrupto e a inflaçao continua alta. E, em alguns aspectos, a situaçao chegou até a se deteriorar. É o caso dos graves problemas de abastecimento que a populaçao venezuelana sofre desde o começo do século passado, quando as lideranças decidiram apostar num sistema de importaçao de alimentos ao invés da produçao nacional com objetivo de alocar a mao-de-obra nacional na indústria petroleira. Agora, em época de vagas gordas para várias bocas há muito famintas, a alta nos preços de carne e leite nos supermercados é maior do que nunca.

E pra entender mesmo a determinaçao ferrenha da oposiçao, falta talvez o mais importante ingrediente da mistura: o enorme ego do presidente. Basta ligar a TV num domingo de manha e assistir um programa Aló Presidente pra entender. Se a ficha ainda nao caiu, é só ler algumas poucas páginas do jornal estatal, o Diario Vea. E se isso tudo ainda nao convenceu, faça uma visita a qualquer repartiçao pública, seja ela uma pequena clínica oftalmológica numa comunidade carente ou em algum conselho comunal que seja e tente contar o número de cartazes com a foto de Chávez por metro quadrado de parede. Garanto que a cifra é de assustar.

É aí que está o grande problema da Venezuela hoje em dia. Nem um lado nem o outro arreda o pé de um argumento sequer, e o diálogo parece algo difícil de se enxergar num horizonte próximo. Algumas vezes dá até a impressao de se estar numa terra de cegos, onde um grupo apenas discute política com seus semelhantes e só lê os jornais com os quais compartilham pontos de vista - o que comprova aquela tese de que o jornalismo reforça opinioes ao invés de mudar tendências.

E enquanto a cegueira nao der trégua em ambos os lados, continuaremos vendo a Venezuela como um país instável numa balança sem fiel, onde os riscos de se cair num populismo demagogo ou, no outro extremo, num golpe de estado repentino sao constantes e reais.

Quem ganha: Chavéz, o novo Bolívar...

Ou Carmona, presidente por 48 horas?

2/03/2009

O grande trunfo do chavismo

Ontem fomos no ato de comemoração de 10 anos do governo Chávez. Mesmo embaixo de uma chuva pesada, a praça de Los Próceres estava completamente abarrotada. Pra onde quer que se olhava só se via vermelho: camisas, bonés, bandeiras e qualquer outra coisa onde fosse possível colocar o nome do presidente ou grafar a palavra "Si", em referência ao plebiscito sobre a emenda constitucional da reeleição indefinda que acontecerá no dia 15 de feveiro.

As pessoas, no entanto, esperavam na arquibanda a passagem de Chávez, que vinha num pequeno jipe do exército. Quando o veículo presidencial se avistou na entrada do paseo, os primeiros grupos de seguidores já começaram a se formar nas laterais. Do jipe, o presidente e outros chefes-de-estado dos países da Alba - Evo Morales, Daniel Ortega e companhia - acenavam pra multidão eufórica. Logo logo os grupos viraram hordas, murmúrios gritos de guerra e, quando me dei conta, estava também correndo e gritando ao lado do carro, completamente contagiado pelo exaltaçao geral.

Infelizmente, nao pude ouvir o discurso até o final - jogaram uma barreira de metal em cima do pé da Rosi, uma amiga brasileira que também está aqui no instituto, e acabei indo com ela ao hospital. Mesmo assim, o que vi ontem somado com o que já tinha presenciado no dia-a-dia aqui na Venezuela me deixam admirado com a importância que a política tem na vida desse povo. Aqui qualquer lugar é lugar e qualquer hora é hora - desde que se trate de discutir os logros da revolução bolivariana ou de tentar me convencer do caos que o país se tornou desde que Chávez entrou no poder.

Ontem mesmo no metrô, por exemplo, pergutaram a uma moça o porquê dela estar usando uma camisa com o nome do presidente. Disso saiu um discurso merecidamente aplaudido que me fez arrepiar. Em Barlovento, a região mais pobre do estado de Miranda, aqui do lado de Caracas, também me impressionou ver uma senhora simples, ex-dona-de-casa, elogiar veemente os feitos do governo e da economia solidária - desde 2004 ela faz parte de uma cooperativa de costura composta atualmente por quase duzentas costureiras. Surpresa também quando o celular da senhora ao lado tocou: ao invés da tradicional melodia da Nokia ou de uma música brega qualquer, o jingle da campanha do "sim" do referendo do próximo dia 15.

Outro momento que marcou foi o último 23 de janeiro, aniversário da remedocratização de 1958, quando caiu o ditador Pérez Jiménez. Nesse dia, o chavismo e a oposição realizaram cada um sua marcha defendendo sua posição no referendo da emenda constitucional. Para ter base de comparação, fomos nas duas, e ficamos boquiabertos com o número de pessoas mobilizadas em plena manhã de sexta-feira para discutir e fazer política mesmo em dia-útil.

Nessas horas, a comparação com o Brasil é inevitável e vem até com uma certa pontada de tristeza. O que será que precisamos para que, ao invés de discutir sobre o último eliminado do Big Brother, nos interessássemos mais pela nova constituiçao boliviana? Ou ao invés de assistirmos novela de seis da tarde até dez da noite, pudéssemos ligar a TV e ver jornalismo comentado em vários canais durante quase todo o horário nobre? Ou para que seja normal sair às ruas para manifestar alegria ou tristeza mesmo quando a razao pra isso nao é carnaval ou micareta fora de época, mas sim apenas a política, nua e crua?

Tá, também odeio perguntas retóricas, mas às vezes é inevitável.

Marcha pelo sim: onde está Wally?