2/07/2009

É também seu maior problema

A Venezuela é hoje um país completamente dividido. É impossível ficar em cima do muro: quem nao é chavista é oposiçao, e as raras exceçoes da regra sao na maioria das vezes as vozes mais inteligentes que se escuta nessa terra de luta-de-classe.

Nao digo luta-de-classe à toa. Uma das coisas mais legais de se fazer em terras venezolanas é prestar atençao nas pessoas, em quem se esconde atrás de cada discurso. As duas passeatas sobre o referendo da reeleiçao indefinida foram bastante emblemáticas pra mim: enquanto na do "sim" a maioria absoluta era mestiça, negra, índia e outros tipos latinos, a marcha da oposiçao mais parecia uma passeata anti-imigraçao nos EUA - os únicos nao-caucasianos eram os vendedores de refrigerante, que ainda nao podem se dar ao luxo de declarar folga em plena sexta à tarde.

E mais legal ainda é tentar entender porque essa divisao socio-econômica tao clara acontece. O motivo principal é simples: nestes últimos dez anos, Chávez governou apenas para uma classe social e mais absolutamente nada - a classe baixa.

Um fato: a Venezuela é hoje um país muito menos pobre que era há uma década. Uma olhada rápida em qualquer estatística - populacao abaixo da linha de pobreza, desenvolvimento humano, distribuiçao de renda e analfabetismo, por exemplo - comprova facilmente essa tese.

Isso se deve principalmente a duas coisas. Primeiramente, Chavéz investiu nas áreas certas. A educaçao, por exemplo, nunca teve tanta importânca num governo venezuelano e tanta verba como acontece hoje. Os resultados sao visíveis: escolas públicas com ensino integral e três refeiçoes ao dia, analfabetismo quase zero, universidades abertas (sem processo seletivo), etc. E, ao contrário do que se escuta nos rincoes da oposiçao, isso é muito mais mérito do governo chavista do que da recente alta nos preços do petróleo - basta ver que o investimento aumentou mesmo em comparaçao ao crescimento do PIB.

A segunda e mais importante razao, ao meu ver, sao as mudanças estruturais levadas a cabo tanto por Chavez quanto pelo Congresso (amplamente dominado pelo PSUV). Exemplos: o apoio ao cooperativismo e à economia solidária, a criaçao de empresas socialistas administradas por comunidades, a inclusao social através das universidades bolivarianas e por aí vai. Uma das coisas que mais me impressionou foram os conselhos comunais, uma espécie de associaçao de moradores que se organizam para requerer obras de infra-estrutura do governo. Os próprios conselhos - que têm sua direçao eleita democraticamente pelos moradores da regiao - recebem o dinheiro pra realizar a obra e, além disso, tem poder de enviar projetos de lei às câmaras estaduais ou federais quando trabalham em cooperaçao com outros conselhos comunais de uma determinada localidade.

Mas por mais bonito que pareçam, os avanços sociais nao atingem as classes mais altas. Quando se compara a vida de uma família de classe média com o que era dez anos atrás, por exemplo, percebe-se que pouca coisa mudou. Caracas continua violenta, o governo continua corrupto e a inflaçao continua alta. E, em alguns aspectos, a situaçao chegou até a se deteriorar. É o caso dos graves problemas de abastecimento que a populaçao venezuelana sofre desde o começo do século passado, quando as lideranças decidiram apostar num sistema de importaçao de alimentos ao invés da produçao nacional com objetivo de alocar a mao-de-obra nacional na indústria petroleira. Agora, em época de vagas gordas para várias bocas há muito famintas, a alta nos preços de carne e leite nos supermercados é maior do que nunca.

E pra entender mesmo a determinaçao ferrenha da oposiçao, falta talvez o mais importante ingrediente da mistura: o enorme ego do presidente. Basta ligar a TV num domingo de manha e assistir um programa Aló Presidente pra entender. Se a ficha ainda nao caiu, é só ler algumas poucas páginas do jornal estatal, o Diario Vea. E se isso tudo ainda nao convenceu, faça uma visita a qualquer repartiçao pública, seja ela uma pequena clínica oftalmológica numa comunidade carente ou em algum conselho comunal que seja e tente contar o número de cartazes com a foto de Chávez por metro quadrado de parede. Garanto que a cifra é de assustar.

É aí que está o grande problema da Venezuela hoje em dia. Nem um lado nem o outro arreda o pé de um argumento sequer, e o diálogo parece algo difícil de se enxergar num horizonte próximo. Algumas vezes dá até a impressao de se estar numa terra de cegos, onde um grupo apenas discute política com seus semelhantes e só lê os jornais com os quais compartilham pontos de vista - o que comprova aquela tese de que o jornalismo reforça opinioes ao invés de mudar tendências.

E enquanto a cegueira nao der trégua em ambos os lados, continuaremos vendo a Venezuela como um país instável numa balança sem fiel, onde os riscos de se cair num populismo demagogo ou, no outro extremo, num golpe de estado repentino sao constantes e reais.

Quem ganha: Chavéz, o novo Bolívar...

Ou Carmona, presidente por 48 horas?

1 comentários:

Equality Bill and The Silver Bullets disse...

Gostei muito do seu artigo. Debater questões referentes à "democracia" venezuelana é complicado por diversas razões: entre elas, encontrar dados confiáveis. Quais são suas fontes para escrever este post? Gostaria muito de dar uma olhada!

abraços!