É, deu a louca, e no caminho da rodoviária em Santa Cruz acabei mudando completamente de idéia e peguei um onibus pra Sucre, em direçao oposta à La Paz. Mas é assim que tem que ser, livre como um pássaro, nao é verdade?
Mas isso é assunto para depois. Tanto meu caderninho quanto minha cabeça nao me deixam em paz enquanto eu nao escrever direito o que aconteceu desde o penúltimo post. Portanto, retomarei desde o dia seguinte ao balneário, em Bonito.
Acordei com o sol e fui fazer a primeira excursao do dia, num lugar chamado Gruta do Lago Azul. Fui numa combi lá do albergue mesmo, cheio de gringo paulista e alguns gringo-paulistas. Sobre a gruta, bom, o nome fala por si só e eu confirmo: é azul mesmo. E um azul diferente daquele do balneário, meio brilhante, irradiante, quase que sobrenatural. Vai uma foto do Google, dessas que eu sempre pensei que fossem photoshopadas mas que agora desconfio bem menos.
Voltamos pro hostel, eu e o Gjis, e cochilamos até a hora da excursao da tarde. Nessa hora que descobrimos que nossos relogios naturais funcionam meio que sincronidos, pois no final das contas a gente sempre fazia as mesmas coisas nas mesmas horas. Pegamos outro tour do hostel, mas agora apenas com paulistas, e fomos pro Rio Sucuri, subimos o curso remando e descemos boiando com colete salva-vidas e fazendo snorkel. Tá, eu sei que soa como programa idiota pra gringo (ainda mais com o wetsuit ridículo que tivemos que vestir), mas ainda assim foi bem legal. Era como estar num daqueles protetores de tela do Windows, vendo os peixinhos e as algas passando sem parar. Daí imaginei que estava escutando Sheep e fui curtindo a descida. O guia falou que de vez em quando dava até pra ver lontra, mas como isso já vejo em BH com uma constância até razoável nao me empolguei muito. Mas fiquei orgulhoso quando percebi que fora o único que havia visto um carangueijinho. Great success!
Cheguei morto no hostel, de frio e cansaço. Tomei um banho, sem saber que seria o último dos três dias seguintes. À noite, mesmo com o bolso ainda doendo de ter gasto uma fortuna nesses passeios e nas diárias do albergue, completei a bonança indo pruma pizzaria pantaneira com o Gjis e outros dois gringos que tavam no quarto com a gente, o escocês Freddy e o inglês David. Os caras amaram quando expliquei o que era jogo do bicho, o lance do número 24 e tudo, e o Freddy prometeu que ia procurar algum bicheiro na Lapa pra tentar uma parceria em Glasgow. Respondi que se der certo, quero comissao.
Saí no outro dia às cinco e quarenta pra pegar o ônibus pra Corumbá. Foi aí que começou minha maratona épica de 44 horas com a bunda em estofado num intervalo de dois dias e meio. Entretanto, nao foi nem um pouco enfadonho. Pelo contrário, foi divertidíssimo. A viagem de Bonito até Corumbá foi bem movimentada. Primeiro esperei sentado no ponto esperando até 6:50 da manha o ônibus que deveria ter saído da rodoviária às seis. Quando chegou, eram dois microônibus na verdade, daqueles de 24 assentos. Tive que ficar no segundo, até que o primeiro esvaziasse. Sentei no último assento (ótima dica do Melqui, grande rapaz), me estiquei e dormi. O motorista me acordou mandando trocar de ônibus. Fui andando meio trôpego e chegando lá vi que o outro ainda tava lotado. Nao titubeei e sentei no corredor do meio mesmo - espremido entre duas maes, cada uma carregando um menino - e dormi com a cabeça apoiada nos braços cruzados sobre as pernas enquanto um dos meninos brincava de tocar piano na minha mao. Acordei quando chegamos em Bodoquena, e, ainda nao sei como, as maes já tinham se levantado e saído do ônibus sem me acordar. Um índio de calça jeans começou a me perguntar algo que eu nao entendia, até que descobri que ele queria saber qual cidade era aquela. Disse o nome que tinha visto na placa e voltei a dormir, agora numa cadeira. Acordei quando um bando de cowboys paraguaios entraram, fantasiados de Leandro e Leonardo da década de 90. Um logo sentou do meu lado e ficou gritando e rindo com os outros sem parar. Já eu, nao entendia uma palavra, e comecei a prestar atençao na paisagem. Nesse momento, já tinhamos cruzado o posto de entrada do Pantanal e da janela só víamos pântanos e mais pântanos. É, fez sentido.
Paramos num posto de pesquisa, e dois gringos com cara de cientistas que ficaram o tempo inteiro mexendo num Blackberry desceram. Logo depois paramos numa espécie de acampamento e os paraguaios desceram, ao mesmo tempo em que subia um militar com cara de bonachao e de oculos escuros. Dormi mais um pouco e acordei quando passávamos pelo posto de controle indicando que acabávamos de sair do pantanal. Entramos numa zona de cerrado alto, vi umas fazendas de gado e logo depois chegávamos em Corumbá.
Lá, a epopéia continuou. Como tinha perdido meu guia da América do Sul, fui procurar uma livraria porque nao queria atravessar a fronteira pra Bolívia sem saber simplesmente nada. Até achei várias, mas parece que lá o pessoal chama papelaria de livraria, de modo que acabei procurando guias de viagem sem sucesso nas bancas de jornal e até nas agências de viagens. O calor, diga-se de passagem, era anormal. No final das contas, nao consegui nem guia nem nenhum conselho que prestava, entao chutei o balde e peguei o onibus em direcao a fronteira. Chegando lá, perguntei pras autoridades brasileiras aonde era o posto da Anvisa pra trocar meu cartao de vacinaçao. "Ahn?", me respondeu o primeiro guarda, e isso me desanimou bastante. Fui perguntar do lado de dentro da Receita Federal e o pessoal nem sabia que a Bolívia tava requerindo isso pra ingressar no país. Até que uma lâmpada se iluminou: "Ah, acho que é lá do lado da Bolívia que troca isso, pergunta pra eles lá", me disse um fiscal da receita. Mesmo achando estúpida a idéia de que eu poderia trocar um documento nacional brasileiro por um internacional num posto de controle de um outro país, acabei perguntando por falta de opçao. O policial boliviano, firme e sério, respondeu como se já tivesse aquilo decorado: "Tem que trocar em Corumbá". Merda.
Peguei um mototáxi, rodamos a cidade, achamos o posto da Anvisa (inclusive o funcionário era igualzinho o pai do Henrigol, o seu Antônio), troquei meu cartao e voltei pra fronteira com o mesmo cara. Paguei a ele quinze reais. Um senhor boliviano, taxista, percebeu. Voltei na sala de controle de imigraçao, ganhei meu carimbo e meus trintas dias e mal saía de volta pra rua quando fui interpelado pelo motorista de táxi. "Vai pra onde?", perguntou. "Pra estacao de trem", respondi, mas sem saber direito do que estava falando. Aí começou a ladainha, que eu tinha que pegar taxi, que nao tinha nenhum colectivo que levava até lá, que nao adiantava perguntar pra ninguém porque realmente nao havia, e ali em Puerto Quijarro nao tinha nenhum ônibus, nao tinha nem estrada e blábláblá. O cara parecia meio transtornado, mas como eu tava meio que sem escolha - nao sabia se ainda tinha trem e se era melhor ir direto pra estaçao de ônibus - acabei concordando com o preço de R$8,00 e ele me levou pra rodoviária. No caminho trocamos reais por bolivianos, um por 3,90. E ainda escutei essa pergunta maravilhosa: "Porque você ficou chorando pra me pagar oito reais sendo que pagou quinze pro cara da moto agora há pouco?". Bom, pensei em responder que estava meio pé atrás de pegar um táxi sozinho num país que acabara de pisar pela primeira vez, ou que talvez o estado deplorável da Caravan (que deve ter o dobro da minha idade, no mínimo) tenha me desencorajado um pouco, ou mesmo que talvez o próprio fato de eu já ter gasto quinze reais já significasse automaticamente que eu teria que economizar esse dinheiro de algum jeito, e nao o contrário. Mas fiquei com preguiça de tentar explicar tudo isso em portunhol, entao apenas ri e disse "porque soy pán-duro, talvez", mesmo tendo certeza que ele nao fazia nem ideia do que eu estava falando.
Atravessamos a cidade toda e parecia que a única rua pavimentada era a principal, a que estávamos. Ao invés de prédios, casas ou lojas de alvenaria, no começo se viam apenas tendinhas e barracas. Um pouco depois as primeiras lojas de tijolo apareceram, mas o aspecto deplorável continuava o mesmo. Viramos numa das ruas de terra esburacadas e o taxista, que depois descobri que se chamava Pablo, me deixou na rodoviária. Demorei alguns instantes a mais pra perceber que aquele galpao de aço aberto cheio de caixotes de madeira que serviam como mesa pra uma meia dúzia de homens sem camisa e mulheres com cara de índia era a rodoviária, mas daí me lembrei das histórias que a Juju me havia contado sobre a Bolívia e a ficha caiu. Fiquei um pouco pé atrás, mas lembrei do ditado e fiz como os romanos. Por 75 bolivianos, cerca de 20 reais, comprei minha passagem pro próximo ônibus pra Santa Cruz de La Sierra, que sairia em 20 minutos.
Fui comprar água pra levar na viagem e vi um bando de crianças brincando num corregozinho que passava ali ao lado da rodoviária, perto de um pequeno centro comercial cheio de lojas de comida. E também demorei um pouco a perceber o cheio de fezes e urina impregnado no ambiente, até que me dei conta de que o tal córrego era um esgoto a céu aberto, mas mesmo assim as crianças brincavam, os pais assistiam e vários passageiros comiam arroz e frango nas barraquinhas do lado sem parecer ligar muito pra isso.
Comprei a água e entrei no ônibus, às cinco da tarde. Dezenove horas depois chegava em Santa Cruz de La Sierra, capital do departamento de Santa Cruz e cidade mais populosa e rica de toda a Bolívia.
3 comentários:
ô seu pássaro, curti a menção à lontra [que coisa de segundo período]!
e curto muito você ser doidão Rod. muito!
qtas fotos lindas, gostaria de estar com vc, sem brigar, vendo tudo isto como vimos na costa da califórnia...
muitos beijos
mom
valeu pelo desdém, hein?
e seja mais sucinto! levei quase uma semana pra terminar de ler esse post.
beijo.
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