7/21/2008

Deserto do frio incomensurável

Acabei de fazer uma das coisas mais legais que já fiz na vida. Acordei quatro e meia da manha, num dormitório de sete camas e sem calefaçao a algumas horas de terra, areia e sal da cidade mais próxima. O alojamento era simplérrimo, de chao de terra batida, sem esgoto e com eletricidade só nas três primeiras horas da noite, que é quando ligam o gerador. E acordei também foi modo de dizer; na verdade quase nao consegui pregar os olhos, e apesar de já ter dormido duas noites razoavelmente bem após aquela experiência trágica em Potosí senti de novo os mesmos sintomas do soroche, um mal bastante sério e perigoso como bem frisou minha querida amiga Juju no comentário do post abaixo.

Mas de qualquer jeito, nao foi o bastante pra desanimar. Saímos do alojamento às cinco debaixo de um frio de -15 graus celsius, chegamos num poço de água termal uma hora depois e, sem pensar duas vezes, desci do Landcruiser, troquei as duas calças e ceroula por um calçao estilo copa-de-70, pulei na água de gorro e fiquei boiando enquanto os pêlos da minha barba congelavam e o sol nascia atrás das montanhas e refletia nos vapores d'água. Simplesmente sensacional.

Ainda passei um aperto depois. Com medo de morrer num choque súbito de hipotermia, esperei uns quarenta minutos antes de sair pra ver se esquentava um pouco lá fora e parava de ventar tanto. Finalmente tomei coragem, me levantei e pisei do lado de fora do poço só pra daí perceber que minha mochilinha com roupa e toalha nao tava mais aonde eu a havia deixado. Pensei na hora que deveria ser alguma brincadeira dos israelitas que estavam viajando comigo, pois eles faziam isso o tempo todo. Fui correndo de calçao no frio infernal até o carro e vi que ele tava trancado e ninguém estava por lá. Dei algumas voltas e o máximo que encontrei foi uma inglesa que tinha rachado o quarto comigo dois dias atrás, que nessa hora nao seria de muita ajuda. Voltei pro poço, procurei um pouco melhor enquanto tentava controlar os calafrios involuntários e finalmente encontrei minhas coisas, num lugar completamente diferente de onde eu tinha posto. Mas aí eu já quase nao precisava da toalha: estava completamente seco, com o cabelo e barbas congelados e quando percebi praticamente nao estava sentindo mais meus dedos do pé, mas consegui evitar a amputaçao por necrose avascular esquentando-os com as luvas e esfregando-os com as maos. No café da manha, encontrei os judeus e eles juraram que nao tinham nada a ver com isso, mas ainda nao acreditei. Isso é que dá viajar sem um frasco de lágrimas de cigano ou dinheiro trocado, pensei.



Talvez esse tenha sido o momento mais legal da minha excursao de dois dias e meio pelas terras áridas do sul da Bolívia, mas o resto também foi maravilhoso. A visao do salar, o maior do mundo, é surreal: de pé sobre uma camada comprimida de sal, a única coisa que dá pra ver é uma imensidao branca e plana que segue infinita até encontrar com as montanhas e vulcoes da cordilheira bem lá no fundo. Vestígios do grande lago que antes ocupava toda essa regiao e deu origem ao deserto, as lagoas também impressionam. A maioria tá congelada essa época do ano, e o branco do gelo em contraste com o amarelo-vermelho da areia e dos picos formam uma combinaçao alucinante. A Laguna Colorada foi a mais legal. A água, por algum motivo, é vermelha, e nao congela toda. Além disso, é lotada de flamingos, aos milhares.

De lá desci pra maravilhosa altitude de 2.500 metros (ar, finalmente!) e agora me encontro em Sao Pedro de Atacama, do lado de cá da fronteira com o Chile. Sempre acho mais legal atravessar fronteiras a pé ou de carro do que de aviao porque dá pra ver melhor as diferenças entre os lugares, e essa travessia nao foi diferente. Passamos a linha, e as trilhas de areia emendadas nos milhares de quilômetros de estrada de terra percorridas por ônibus recauchutados no interior da Bolívia deram lugar a um asfalto maciíssimo e bem sinalizado, e finalmente entrei num veículo que aparentava menos de 10 anos de fábrica desde que saí do Brasil.

Saio de Sao Pedro ainda hoje, com destino a Arica, mais ao norte ainda desse país de uma rua só. Provavelmente também nao durmirei lá, e seguirei direto pra Arequipa, já no Peru. E prometo pra depois um post mais completo sobre a Bolívia, assim que tiver saindo de La Paz, já no final da viagem, ok? Abraços!

5 comentários:

Anônimo disse...

Filhinho, que peninha de vc, geladinho deste jeito....Putzgrila!!!
E pelo visto até agora não aprendeu a escrever o verbo dormir em todas as suas conjugações com O
eu dormi
eu dormirei
eu teria dormido, etc, etc
Bjs
Mom

Rodrigo disse...

uahuhahua, eh verdade! um erro escapou, mas vou deixa-lo a titulo de registro historico

Isabela Eugenio disse...

esse já foi melhor. um meio termo.
mas, aqui, vc já sabe o que eu devo estar pensando, né? ainda bem que eu só fico sabendo dessas coisas depois que elas já aconteceram e aí não tem motivo pra ficar mais preocupada.
juízo, menino!

Branco disse...

Aow cara. Blz. Ow doido d+ seu post. Depois fraga o nosso la, e logo logo a gente toma uma junto. Em uns 2 ou 3 dias. Abracao e boa viagem.
Deixa uma migalha de biscoito em arequipa pra gente saber que vc passou la ou entao pixa nas paredes (rodriguin passou aq)

André disse...

Rod, você é muito mais insano do que eu imaginava.